Nenhum outro suplemento alimentar esteve tão cercado de polêmicas quanto a creatina.
Ela já foi associada ao uso de anabolizantes, ficou proibida no Brasil por cinco anos, ainda é malvista por muitos médicos e classificada por parte deles como uma ameaça às funções do rim e do fígado. “Essa fama negativa não existe à toa. Por muitos anos, atletas internacionais de várias modalidades associaram o uso de anabolizantes à creatina”, afirma Antonio Herbert Lancha Jr., coordenador do Laboratório de Nutrição e Metabolismo Aplicados à Atividade Motora, da Universidade de São Paulo (USP).
Na contramão disso, o pesquisador norte-americano Melvin William, PhD em educação física e em ciências do exercício pela Universidade de Maryland (EUA), defende o uso da substância, e não só por atletas profissionais. “Ela tem eficácia comprovada para esportistas amadores, idosos, diabéticos e pode até ser usada na reabilitação de alguns pacientes”, declara.
Melvin estuda a creatina há décadas e já escreveu sobre a utilização do suplemento em alguns livros, como o “Nutrition of Health, Fitness and Sport”. O pesquisador esteve, recentemente, no Brasil para o simpósio “Desmistificando o uso da creatina”, promovido por uma empresa fabricante de suplementos alimentares e que comercializa produtos à base de creatina.
Uma dose básica de creatina é sintetizada naturalmente pelo organismo, no fígado e no pâncreas. Ela, geralmente, é complementada pela alimentação, por meio de peixes, carnes e derivados. “Metade da dose de que precisamos é produzida pelo corpo, enquanto a outra é ingerida na alimentação”, diz Melvin. São necessários de 1 a 2 gramas por dia. “Vegetarianos costumam apresentar níveis baixos de creatina no organismo”, acrescenta o estudioso.
Explosão de força
Um dos benefícios mais conhecidos da suplementação com creatina é a explosão de força. A substância consegue aumentar o desempenho do esportista em atividades que exigem muito esforço em intervalos pequenos. “O exercício não pode ter mais do que 30 segundos”, esclarece o pesquisador.
Vários esportes podem ser contemplados por essa propriedade da creatina, como a corrida e a natação, nas provas mais velozes e curtas, e até o halterofilismo, pela necessidade de força concentrada apenas no levantamento de peso. “Dezenas de estudos comprovam essa eficácia, sendo que as pesquisas mais consistentes indicam uma melhora de até 13% no desempenho do atleta. Em outros estudos, a força muscular do atleta chega a aumentar pelo menos 8%”, comenta.
Massa muscular
A explosão de força proporcionada pela creatina pode contribuir para o ganho de massa muscular, independentemente do inchaço causado pela retenção de líquidos no músculo. “Estudos americanos e britânicos demonstram isso, seja nos atletas que usaram creatina, seja naqueles que a combinaram com carboidratos”, revela Melvin.
Os carboidratos também são moléculas estocadas nos músculos e responsáveis pelo fornecimento de energia para o sistema aeróbico. “O carboidrato dá a energia necessária para atividades de longa duração”, afirma Souza.
Rins e fígado: há mesmo sobrecarga?
O receio de sobrecarregar rins e fígado pelo uso de suplementos de creatina ainda assusta muitos médicos e especialistas em nutrição de atletas. “Mas isso foi desmentido por inúmeras pesquisas”, garante Melvin.
Até uma pesquisa nacional realizada pela Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo (USP) e divulgada em 2008 comprovou que a suplementação com creatina não gerou sobrecarga nos rins de atletas de 24 anos. O trabalhou foi publicado no “European Journal of Applyed Physiology”.
Em esportistas que usam o suplemento, a sobrecarga ocorreria porque as células renais entrariam em fadiga ao receberem uma quantidade excessiva de creatina, além das outras substâncias que, normalmente, metabolizam. “Mas isso não foi visto nos estudos”, pontua o pesquisador.
Questionado sobre a possibilidade de a creatina causar cálculo renal, Melvin afirma que não há evidência dessa ligação. “Não vejo possíveis complicações porque a origem do cálculo está no cálcio”.
As reações adversas apontadas pelo estudioso norte-americano estão todas associadas a problemas estomacais. “Foram registrados casos de diarreia e estômago irritado”, diz ele.
Melvin indica dois planos de suplementação com creatina, um de resultados mais rápidos – para atletas de alto desempenho – e outro para esportistas iniciantes. “Mas todo programa deve ser feito com acompanhamento médico, especialmente se a pessoa tiver algum problema de saúde”, alerta.
Reabilitação
A creatina também começa a ser estudada como alternativa terapêutica para pacientes em reabilitação. “É uma ideia extremamente interessante. Existe a possibilidade de benefício para portadores de atrofia causada por longas imobilizações”, informa Turíbio Leite de Barros Neto, professor de fisiologia do exercício na Unifesp e ex-fisiologista do São Paulo Futebol Clube.
Os estudos nessa área ainda estão começando a apresentar resultados consistentes. “Esse tipo de uso também pode beneficiar pessoas nas atividades diárias, como carregar uma sacola de compras”, diz Melvin.
Diabetes
Há cerca de três meses, um estudo do Laboratório de Nutrição e Metabolismo da Escola de Educação Física e Esporte (EEFE) da USP revelou que a suplementação de creatina aliada a exercícios melhora o quadro de pacientes com diabetes tipo 2.
O benefício está no controle da taxa de açúcar no sangue, que é elevada nos diabéticos. A doença dificulta a absorção de glicose nas células, função que passaria a ter apoio da creatina. Durante o estudo, mesmo os pacientes com alteração das funções renais não apresentaram complicações.
Para Lancha Jr., todo o material de Melvin serve como base para derrubar muitos mitos acerca da creatina. “Acredito que, num futuro próximo, a creatina possa se tornar um suplemento com aplicações diversas, não apenas para atletas. Acho que essa substância poderá suprir o que perdemos com as mudanças na maneira como nos alimentamos”, avalia.
Texto: Dr Lucas Penchel e Stefani Rocha – Estagiaria de Nutrição PUC MINAS