Esporte machuca. Alguns matam ou aleijam. É o caso do esqui. Michael Schumacher vegeta em Grenoble. Os defensores do tal “espírito esportivo” não contam isso para os jovens praticantes. Muito pelo contrário: o papo é sempre de superar, ir além dos limites, e todo aquele bla-bla-bla pra vender tênis e energético.
Nossa esquiadora Laís Souza está tetraplégica. Lesionou a terceira vértebra. Não mexe pernas nem braços. Treinava para participar dos jogos olímpicos de inverno quando caiu. O seguro pagou a operação e o tratamento. Mas não vai pagar mais nada. Porque o seguro de vida ou invalidez contratado pelo Comitê Olímpico Brasileiro, e pela Confederação Brasileira de Desportos na Neve, só cobre acidentes que aconteçam durante as competições, e não durante o treinamento.
Muita gente se recusa a aceitar o que aconteceu com Laís. A imprensa dá voltas sem fim para falar do caso. Compreensível. É uma jovem simpática e batalhadora. O pai é metalúrgico, a mãe trabalha em uma loja de sapatos. Mas reportagens falando da “rápida recuperação” de Laís, que ela já tem sensações nesse ou aquele pedaço do corpo, são um desserviço. Li um artigo que começa dizendo que ela já “come sozinha”. Dá a impressão que ela leva o garfo à boca. Nada disso. Só quer dizer que ela já se alimenta pela boca, e não via sonda gástrica.
Esse discurso atrapalha Laís mais que ajuda. Pior ainda as pautas sobre tratamentos experimentais milagrosos. A realidade é: Laís não vai ser curada. Jamais voltará a andar ou mexer os braços. Viverá uma vida dificílima e limitadíssima, completamente dependente dos outros. Se daqui a 30 anos um gênio criar um tratamento capaz de reverter sua lesão, ótimo, mas não está no horizonte da ciência.
O que ajudará Laís é dinheiro, muito dinheiro. Agora o Comitê Olímpico Brasileiro iniciou uma campanha pedindo auxílio financeiro para o futuro de Laís. Famosos apoiam, Luciano Huck, Rubinho etc. (divulgando, não sabemos se doando). O objetivo, explica a nota do COB, é “ajudá-la a se autofinanciar…. desde contratar um professor de inglês, como custear parte de uma bolsa de estudo em uma Universidade no Brasil, conseguir um coaching para prepará-la para dar palestras sobre suas experiências, até criar uma fundação ou instituto para a Laís. Da mesma forma, a campanha visa a compra de equipamentos para a mobilidade e o conforto da Laís, itens não previstos na cobertura dos seguros contratados pelo COB.”
Em português claro: não vai ter grana do COB ou do poder público para as cadeiras de roda de Laís. Para as sondas, equipamentos, remédios, enfermeiros e acompanhantes. A previsão é ela continuar no hospital em Miami por mais uns três meses. Depois, se vire. Tem ideia quanto custa ser tetraplégico? Vou chutar baixo uns R$ 15 mil por mês, R$ 180 mil por ano. Laís tem 25 anos. Sua próxima década vai custar uns dois R$ 2 milhões de reais.
O Comitê Olímpico está transferindo a responsabilidade para nós. O Brasil investe bilhões em estádios para Copa, e outros tantos bilhões para a Olimpíada do Rio em 2016, e deixa uma moça tetraplégica dependendo de vaquinhas na internet…
O COB tem obrigação de assumir Laís. Os patrocinadores do COB, como Bradesco, Nike, Correios, Skol e outros, têm obrigação de assumir Laís. Os políticos do Brasil, que usam esses megaeventos esportivos para estimular o ufanismo babaca (e pingar uma grana para os empresários amigos), têm obrigação de assumir Laís. Alguém vendeu as maravilhas do esporte para Laís, alguém estimulou seu sonho olímpico. São esses que devem se responsabilizar por sua paralisia. Não você ou eu.
ANDRÉ FORASTIERI